Falar sobre preservação da fertilidade ou congelamento de óvulos é falar também sobre protagonismo feminino, afinal, apenas entendendo e conhecendo os limites da fertilidade é possível se planejar para lidar com o desejo (ou não) da maternidade. Todos os dias recebo depoimentos de mulheres que sequer sabiam que existe algo chamado “reserva ovariana” ou que a qualidade e quantidade de óvulos vai reduzindo com o passar dos anos.

Permeia o senso comum que enquanto a mulher menstrua ela pode engravidar. De fato, enquanto há ovulação, há chance de gravidez. Mas nem sempre a causa e efeito acontece de maneira simples assim. Muitas mulheres com baixa reserva ovariana terão dificuldade e outras passarão por abortamentos por conta da qualidade dos óvulos.

Por outro lado, a mulher está envelhecendo com mais qualidade e, às vezes, não se dá conta do passar do tempo, sendo muito comum a sensação de estarem super bem, com a saúde nota mil. Acontece que mesmo que seu corpo e aparência estejam muito bem cuidados, ninguém avisou os ovários que eles precisavam “se atualizar”. E eles simplesmente não acompanharam essa evolução feminina e continuam sofrendo a perda de óvulos a cada mês que passa.

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Foto: Pexels/Anastasia Shuraeva

Prevenir para não remediar?

Todas as vezes que pergunto para as mulheres que adiaram a maternidade e hoje sentem na pele a dificuldade para chegar ao tão sonhado bebê nos braços, o que elas teriam feito se pudessem voltar no tempo uns 5, 10 anos, a resposta é a mesma: eu teria congelado óvulos. Porém, o planejamento familiar está longe de ser levado à risca com a mesma prioridade que damos à carreira ou aos estudos. E no fim das contar, achamos que a infertilidade nunca baterá à nossa porta. “Eu com problema para engravidar? Que isso… minha avó engravidou com 47 anos naturalmente…”

Outro ponto é que preferimos apagar incêndios do que prevenir algum possível problema. E aí, muita gente pensa: “se for para gastar, já faço uma FIV e está resolvido!” Ledo engano! “A medicina está avançada sim, mas ela tem seus limites também”, diz a especialista em reprodução assistida Simone Mattiello, da clínica Nilo Frantz.

Então, falar sobre o congelamento de óvulos, especialmente para aquelas mulheres que pensam em adiar a maternidade, é sim muito importante. Pensando nisso, recebi para uma conversa a Dra. Simone Mattiello, e as enfermeiras Joana Chagas e Fernanda Robin, que congelaram óvulos após os 36 e 37 anos, respectivamente. A conversa completa está salva no Instagram e você pode acessar quando quiser. Basta clicar aqui.

E abaixo, separei alguns momentos importantes da live que fiz com as especialistas:

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Como funciona o congelamento de óvulos e o que muda para uma mulher com mais de 35 anos?

Dra. Simone Mattiello O processo todo começa no início do ciclo. No segundo dia da menstruação fazemos o ultrassom para olhar ovários e ver os folículos, que são as “casinhas” dos óvulos. E então, contamos quantos folículos existem ali e isso nos ajuda a entender qual será o possível potencial de resposta, que varia muito dependendo da idade e da reserva ovariana. Nessa fase de entendimento do caso, além desse ultrassom para contagem de folículos, também é comum pedirmos o exame antimulleriano, que dá uma estimativa da reserva ovariana. Só então montamos um protocolo de estimulação ovariana, com um esquema de medicações para fazer que esse grupo de óvulos amadureça. Elas têm hormônios como os produzidos pelo nosso organismo, e são injetáveis, devendo ser aplicadas diariamente próximo ao umbigo, como se faz com as injeções de insulina. A mulher passa por essa estimulação ao longo de 10, 11 dias, em média, e durante esse período acompanhamos o amadurecimento desses óvulos com ultrassons seriados, para monitorar a melhor hora de fazer a coleta, que geralmente acontece após dois dias dessa identificação.

A coleta é feita via vaginal, com anestesia, que é uma sedação. E a paciente dorme durante o procedimento enquanto os óvulos são aspirados. Terminado o procedimento, a paciente fica em observação por cerca de 1 hora e no laboratório os óvulos captados são congelados para o futuro.

Vale dizer que a grande diferença da estimulação com medicamentos é que conseguimos amadurecer todo o grupo de folículos disponíveis. Enquanto na ovulação natural, apenas um óvulo chega a esse estágio. E, claro, quando o objetivo é o congelamento de óvulos, quanto mais óvulos tiver, melhor. Sempre desejamos ter entre 5 a 15 óvulos.

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O que muda no congelamento de óvulos após os 35 anos?

Dra. Simone Mattiello Congelamos óvulos, mas estamos pensando nos embriões que se formarão e, claro, nos nascidos vivos, no filho nos braços. O que acontece é que conforme a idade avança, a quantidade e a qualidade de óvulos diminui. A qualidade tem a ver com a capacidade de formar óvulos geneticamente saudáveis. Por exemplo:  se eu congelar 10 óvulos antes dos 30 anos de idade, tenho cerca de 70% de chances de ter um bebê nos braços. Aos 37 anos, essas chances caem para 55%; aos 39 anos a expectativa é de 40%; aos 42 anos, ela cai para 18%. E esse declínio está relacionado à idade. Então, quanto mais avança a idade, eu preciso de mais óvulos para conseguir selecionar os mais saudáveis.

Qual a importância do estilo de vida na qualidade dos óvulos?

Dra. Simone Mattiello Quando o assunto é melhorar a resposta ovariana, dois pontos precisam ser observados: o primeiro é sobre aumentar a resposta do ovário, tentar recrutar mais folículos para ter um número maior de óvulos. Isso pode ser feito com algumas medicações específicas. A outra questão é aumentar a qualidade dos óvulos. E nesse sentido, os fatores internos que vão ajudar a formar um óvulo geneticamente saudável são muito impactados pelos hábitos de vida. Alimentação, exercícios, sono, estresse, cigarro e bebida alcoólica… Tudo isso pode impactar positivamente ou negativamente na qualidade dos óvulos. Quanto mais saudável é o estilo de vida, mais chances de ter óvulos de qualidade.

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Foto: Thinkstock

É verdade que quem congela óvulos ou faz fertilização in vitro entra na menopausa mais cedo?

Dra. Simone Mattiello Essa dúvida é ótima porque muita gente pensa que ao estimular os folículos estamos gastando de uma vez os óvulos que elas teriam ao longo de muitos ciclos, mas não é assim que funciona. A cada ciclo, naturalmente, recrutamos um grupo de óvulos. E desse grupo só um amadureceria naturalmente, os outros seriam perdidos de qualquer forma. Então, o que fazemos ao estimular a ovulação é aproveitar esse grupo que seria perdido, recrutando esses folículos para que se tornem óvulos maduros. Esse processo não acelera ou piora a reserva de forma alguma.

Os óvulos perdem qualidade ao serem congelados?

Dra. Simone Mattiello O processo de vitrificação nada mais é do que um congelamento que acontece de forma ultrarrápida. E é graças a isso que não se perde qualidade ao congelar. Antigamente, quando não tínhamos essa técnica mais sofisticada, o congelamento era bem mais lento e isso fazia com que o óvulo pudesse absorver líquido, explodindo. Então havia mais perdas de óvulos no processo. Atualmente a expectativa de resgate dos óvulos é muito boa: ficando entre 70% a 80% da mostra de óvulos captados intacta após o descongelamento. Vale lembrar que o processo acontece em forma de funil: dos óvulos descongelados, há os que vão sobreviver; dos que sobrevivem, há os que vão fertilizar; e dos que fertilizam há os que vão chegar a blastocisto (embrião no quinto dia de desenvolvimento).

Duas histórias e a sensação de alívio por ter congelado os óvulos

Joana Chagas e Fernanda Robin congelaram aos 36 e 37 anos, respectivamente

Como foi para vocês, Joana e Fernanda, dar esse passo de preservar a fertilidade?

Joana Chagas Mesmo tendo 36 anos na época do congelamento, precisei passar por duas estimulações para conseguir uma quantia considerável de óvulos. Me considero muito privilegiada porque eu trabalho na área da reprodução assistida desde os 25 anos, então tive contato com essa informação muito cedo. Mas com 25 anos, confesso que eu nem pensava nessa possibilidade. Com 30 anos eu fiz um exame antimulleriano e vi que estava tudo certo e dava para esperar um pouco. Mas o tempo passou voando e a minha cabeça também foi mudando, então, numa conversa com a Dra. Simone ela trouxe a reflexão: uma coisa é você não querer ser mãe e outra é não poder. Pode ser que mais para a frente eu me arrependesse por não ter congelado. Então, olhei com carinho para isso e fiz. Sinto que tirei um peso das minhas costas!

Fernanda Robin Já tenho um filho de 7 anos e desejo ter outros, mas no momento seria bem complicado conciliar mais um filho na minha rotina. Quando me dei conta que adiaria cada vez mais a segunda maternidade, o congelamento de óvulos foi sendo uma alternativa cada vez mais real na minha cabeça. Eu vinha fazendo o acompanhamento com o exame antimulleriano há alguns anos já. Mas esse ano notei que os valores começaram a baixar mais. Por isso digo que o exame dá uma ideia de como está a reserva, mas é apenas na estimulação e captação que vamos saber a realidade mesmo. Na hora da estimulação, precisamos cancelar o ciclo porque a minha resposta aos medicamentos não foi boa. Sentamos, conversamos e mudamos alguns caminhos. E aí tivemos sucesso. Mas ainda assim precisei de duas estimulações parra ter óvulos o suficiente para as chances de um bebê nos braços. Mesmo atuando em uma clínica de reprodução assistida, foi muito difícil encontrar o tempo certo. Hoje eu acho que deixei precisar mais do que deveria, mas há dois anos eu não pensava assim. Eu tinha outras prioridades e achava que comigo seria diferente. Ainda bem que não adiei mais! Realmente a sensação é de alívio.

Joana e Fernanda fazem parte da Websérie “Congelamento de óvulos: preserve as suas possibilidades”, criada pela Clínica Nilo Frantz. Todo o processo do congelamento delas foi acompanhado por uma equipe de filmagem e o resultado pode ser visto aqui.