O cenário é o seguinte: você vai ao médico para fazer os exames de rotina e, durante a consulta, expressa o desejo de ser mãe. No vai e vem da consulta, o médico te fala sobre as dificuldades e os riscos de engravidar acima dos 35 anos e, de uma hora para outra, você, tão cheia de vida e planos, descobre que passou a fazer parte do time de mulheres que se tornarão “gestantes idosas” ou que vão vivenciar a “maternidade tardia”.
É claro que um bom profissional precisa orientar sobre os dados, mostrar que pode realmente ser mais difícil engravidar naturalmente aos 40 anos e, talvez, até te encaminhar para um especialista em reprodução assistida, se essa for a necessidade. A grande questão é que simplesmente não dá para tratar todas apenas pela perspectiva da idade. Porque nesse mesmo grupo de mulheres próximas aos 40 anos terá aquela que é super saudável e vai ter uma gestação muito sadia. Aquela que já tem predisposição a alguma doença e poderá desenvolver diabetes gestacional ou hipertensão, por exemplo. Terá também a que vai ter dificuldade para engravidar e a que vai conseguir naturalmente já nos primeiros meses de tentativas.
Mas, se já num primeiro contato, você se coloca nesse rótulo de “maternidade tardia” e pega para você todos os riscos, seus fantasmas se tornam imensos. E foi sobre essa questão, envolvendo o termo “idade materna avançada” que a ginecologista e obstetra Melania Amorim, professora doutora de Ginecologia e Obstetricia da Universidade Federal de Campina Grande (Paraíba), e da pós-graduação do Instituto de Medicina Integral Professor Fernando Fiqueiga (IMIP), com pós-doutorado em Saúde Reprodutiva pela OMS e membra da Rede Feminista de Ginecologistas e Obstetras, falou num post em seu Instagram, que faço questão de compartilhar abaixo, na Íntegra, porque entendo a necessidade de espalhar essa reflexão. Vale dizer que além de todos esses títulos, Melania Amorim é mãe de André, que nasceu quando ela tinha 25 anos, e de Joaquim, que nasceu quando ela tinha 43.
Abaixo o texto na íntegra:
“Eu simplesmente detesto o termo “idade materna avançada” (estou corrigindo uma dissertação), embora obviamente no passado fosse pior (“gestante idosa”), se alguém quiser perguntar algo sobre gestação depois dos 35 ou dos 40 anos e vier falar em “idade avançada” eu não vou responder.
Há que se lembrar que no Brasil coexistem no presente duas pontas dessa equação “mulheres gestando com 35/40 anos ou mais”: as que já têm uma penca de filhos e não foram alcançadas pelo sistema de saúde nem receberam planejamento reprodutivo/oferta de métodos contraceptivos e aquelas que a) só conseguiram engravidar depois dos 35/40 anos (porque tinham infertilidade, porque não tinham conseguido encontrar um pai ou mãe legal para a tarefa) e b) aquelas que deliberadamente empurraram a decisão de engravidar para depois dessa idade.E se nós temos muito o que fazer para a primeira ponta, porque a grande maioria dessas mulheres não quer mais engravidar e daí o sistema deve ofertar contracepção adequada, temos que analisar os casos individualmente e não sair ditando normas às mulheres dizendo que devem todas idealmente ter a primeira gravidez antes dos 35 anos, como se isso fosse assim facílimo e dependesse exclusivamente de sua orientação.
O Brasil tem um preconceito enorme com as mulheres que engravidam, especialmente depois dos 40 anos. Em vários países não é assim. Se as mulheres nos procuram para aconselhamento, o que se deve informar é que:1) A chance de gravidez espontânea diminui com a idade; aos 18 anos a chance de engravidar tendo relações no período fértil é em torno de 35% no mês, cai para 15% com 35 anos e 5% aos 40 anos, mas obviamente vai aumentando cumulativamente com as tentativas (por exemplo, ao final de um ano, cerca de 50% das mulheres com 40 anos irão engravidar); a chance de gravidez com os próprios óvulos é praticamente inexistente a partir dos 45 anos.
2) O risco de morbidades como hipertensão e diabetes, dentre outras, vai aumentando com a idade, mas mulheres saudáveis que engravidam se beneficiam com os efeitos da gravidez.
Também há benefícios em gestar após os 40 anos, quando se considera a segunda ponta.
Estudos demonstram que mulheres que adiaram a gestação têm maior escolaridade, têm carreiras profissionais mais consolidadas e são mais propensas a amamentar.
3) O risco de cromossomopatias aumenta com a idade, mas esse é um aumento do risco relativo, e o risco absoluto continua baixo. Além disso, como a maioria das mulheres que engravidam são mulheres entre 20-35 anos, o maior número de fetos com anomalias cromossômicas estará concentrado nesse grupo. Por outro lado, em decorrência das anomalias cromossômicas, aumenta o risco de perda gestacional espontânea. Tudo isso deve ser informado à mulher em qualquer idade, até porque muitas estão se submetendo ao rastreamento sem saber direito o seu significado.Ouvir a mulher, saber de seus planos, ofertar métodos contraceptivos se for o caso, saber se ela pretende engravidar agora ou no futuro, se tem indicação de avaliar função ovariana, de encaminhar para um especialista em reprodução humana, fazer consulta pré-concepcionsl com orientação nutricional, recomendação de estilo de vida saudável (exercícios, abolir tabagismo) e prescrever ácido fólico para quem pretende engravidar e está pronta para isso é o melhor que se pode fazer, em vez de ditar regras universais e inapropriadas. O corpo é delas. Não se vai ali na esquina e se engravida só porque alguém sugeriu que você devia engravidar antes de completar 35 ou 40 anos.
Eu felizmente não fui perguntar a nenhum senhor dos óvulos e dos úteros alheios o que fazer. André nasceu quando eu tinha 25 e Joaquim aos 43.”