O vídeo do menino andando num skate adaptado, empurrado por sua mãe, emocionou e viralizou na internet na semana passada. Dias mais tarde, todos saberiam que a mãe em questão era Laura Costa Patron, 31, escritora, ativista e profissional da inclusão, e o menino, João Vicente, 7. Desde o dia que o vídeo viralizou até agora, a vida de Lau (como é conhecida) ficou ainda mais corrida, e sua voz, que já havia sido ouvida milhares de vezes na internet, ficou conhecida em dezenas de países. Em meio a essa loucura, Lau, gentilmente, arranjou um tempo na agenda e conversou com o Mãe aos 40. Confesso que enquanto a ouvia, rolaram algumas lágrimas. Mas, para muito além disso, alguns socos no estômago também, ao refletir o quanto estamos falhando enquanto sociedade.
Lau Patron me contou que desde muito pequeno, João Vicente é apaixonado por adrenalina e movimento, que as atividades mais agitadas sempre chamaram atenção de seu filho. “Quando era pequeno, a pediatra dizia que ele tinha a idade motora avançada: com 10 meses parecia ter 12. Andou com 10 meses e com pouco mais de 1 ano já tentava subir em árvore. João tem uma necessidade de vida, de sentir as coisas.” Quando via alguém andando de skate, João sempre apontada os dedinhos, encantado.
Porém, com apenas 1 ano e 8 meses, João sofreu um AVC, ficando também com paralisia cerebral, sendo diagnosticado depois com a Síndrome Hemolítico-Urêmica Atípica (SHUa), que é tão grave quanto rara. O tempo passou e o encantamento pelo skate continuou. “E aí começamos uma andança na tentativa de suprir essa necessidade dele. Andamos de skate elétrico com ele e compramos um triciclo, que era a maneira de levá-lo para a pista de skate. Ainda assim, João continuava apontando o skate com os dedos sempre que o via”, conta Lau.
A mãe desconhecia que existisse uma possibilidade para que João andasse, de fato, num skate. Até descobrir o Skate Anima, projeto que dá às crianças com deficiência a oportunidade de andar de skate. “Mandei uma mensagem para eles no mesmo dia perguntando quando seria o próximo encontro, para que eu pudesse levar o João. Demorou um tempo para que esse dia chegasse. E quando finalmente chegou, era o dia do João ficar com o pai [eles são separados]. Pedi então para que o pai dele gravasse aquele momento porque eu não poderia estar nesse primeiro dia. E eu já estava sofrendo só de pensar em perder de ver a reação do João. Ao ver o vídeo pela primeira vez, eu ria e chorava. Até hoje é a coisa mais incrível do mundo ver a reação dele! Eu pude sentir o quanto ele se sentiu livre. Para uma criança como o João, com deficiência, o mundo oferece tão poucos recursos e soluções para que a vida dele seja melhor, que quando tem uma solução que permite que ele faça o quer e sonha, é tão potente, a alegria dele é tão verdadeira. Isso me emociona muito! E ele não parou mais! Passamos a andar todo mês com o skate adaptado do Skate Anima. E nos tornamos muito próximos do pessoal também”, conta.
A paixão pelo projeto e por tudo o que ele proporciona fez com que em fevereiro passado, João comemorasse o aniversário com um campeonato inclusivo de skate, numa praça aberta, para crianças típicas e atípicas brincassem juntas. “O João curtiu e curte muito tudo! Ele é um menino que está na vida. Ele quer experimentar as coisas, o mundo, as possibilidades. O que trava ele é a falta de possibilidades”, diz Lau. O projeto do Skate Anima significou para João que ele pode desejar coisas e realizá-las, sim! “Não estamos falando apenas em andar de skate. Quando isso acontece com uma criança que não teria essa oportunidade, damos a ela autoestima e a confiança que elas podem realizar muito além do que dizem para elas.”
“Inclusão no Brasil é piada de mau gosto”
A escritora e ativista diz que precisamos aproveitar esse momento que o vídeo viralizou e fazer a reflexão do quanto estamos falhando enquanto sociedade. “Tão poucos projetos como esse existem, num país que 24% da população tem algum tipo de deficiência. Estamos falhando de forma muito, muito bruta sobre isso. Não fazemos inclusão. Inclusão no Brasil é piada de mau gosto. Tá tudo errado do início ao fim.” Lau também aponta que erramos ao ficar muito numa conversa de empatia, de achar que “coitada dessa pessoa com deficiência” ou de achar que quando aquela pessoa faz o inesperado, ela deve ser considerada um herói. “Estamos numa conversa de inclusão muito rasa. Precisamos nos aprofundar e realmente olhar as pessoas, escutá-las e entender o que podemos fazer para que a vida delas se torne melhor”, pondera.
A importância do tratamento multidisciplinar para as pessoas com deficiência
Desde que foi parar no hospital, há mais de 6 anos, e viu o corpo de seu filho entrando em colapso, da noite para o dia, Lau diz ter se tornado outra pessoa. “Tudo mudou em nossas vidas”. João passou 71 dias no hospital e saiu de lá com sequelas motoras importantes. A parte cognitiva dele ficou preservada, mas ele tem uma descoordenação motora importante, alteração de tônus, que não permite que ele consiga fazer as coisas como fazia antes. “Hoje ele já melhorou muito. Quando voltamos para casa do hospital, ele não conseguia nem segurar o pescoço. Agora ele já está conseguindo ficar de pé, aos poucos. Não existe nada que diga que ele vá andar novamente ou não. Mas ele evoluiu muito nos últimos anos.” Lau faz questão de reforçar que essa evolução é resultado de um trabalho intenso de reabilitação, que inclui fisioterapia, terapia ocupacional, fonoaudióloga, além de uma terapia chamada de “estimulação transcraniana”. “Atribuo muito a melhora do João à esse trabalho suado, com bons médicos e uma equipe maravilhosa, que vai muito além do consultório.” Um trabalho que, infelizmente, não é estendido a tantas pessoas com deficiência, que precisam lutar, dia após dia para ter uma qualidade de vida melhor.