Antes de tudo cabe lembrar que o tema morte é um tabu em nossa sociedade, provoca muito medo, fantasias, angústias e envolve mistérios. Entretanto, a morte é a única certeza e garantias que temos, além disso, inevitavelmente, todos entraremos em contato com essa experiência. Percebemos em nossa experiência que os adultos costumam ter muita dificuldade em conversar sobre o assunto com as crianças e na tentativa de ocultar essa realidade, acabam por provocar maior sofrimento e confusão na cabeça dos pequenos. Pensando nisso, listamos abaixo 10 formas de lidar com o luto com as crianças:
1. Use exemplos do dia a dia da criança
A criança, assim como nós, entra em contato com pequenas mortes e suas representações diariamente: a formiguinha/insetos que matamos, a pomba morta na rua, o peixinho do aquário ou animal de estimação, os filmes como “O Rei Leão”, “Bambi”, a plantinha que murcha e morre, um parente próximo etc. Assim, antes que alguém próximo à criança faleça, nós temos muitos ganchos para conversar sobre mortes com elas. Conforme essas situações aconteçam e a própria criança às vezes mostrar curiosidade e fizer questionamentos, você pode sempre buscar falar com uma linguagem simples, sem mentir e responder apenas ao que ela perguntou.
2. Mostre que tudo tem um ciclo de vida
Algumas atividades podem ajudar, por exemplo: plantar sementinhas e ver que elas nascem se desenvolvem e morrem e assim, deixá-la perceber o que acontece com a planta após ela morrer. Comumente surgem perguntas como: “Ela vai voltar? Posso replantar? Ela ainda vai beber água?”. Para a criança que ainda está ligado ao mundo da fantasia, essas situações a ajudam a entender que a morte é algo irreversível, assim, com certeza vão criar instrumentos internos para lidar com isso ao longo da vida. Se isso tudo não foi possível antes, o assunto deve ser abordado quando ocorrer uma morte na família ou quando estiver na iminência de acontecer, como doenças e internações.
3. Não tenha medo da palavra morte e mostre que isso é irreversível
A noção de morte como algo universal, irreversível e natural para a criança é construída ao longo de seu desenvolvimento. Muitas vezes, ela entende que se morre só um pouquinho e depois volta, por isso a indicação é, independentemente da idade, falar sobre o falecimento e usar a palavra “morte”, não tenha medo, esse temor em usar o termo “morte” é muito mais do adulto do que da criança. Ela ainda pode levar algum tempo para compreender dizendo “agora posso ver o vovô? Estou com saudades do papai, quando ele volta?”, e o adulto talvez tenha que repetir, falar mais de uma vez que o familiar morreu e que nunca mais voltará: “Lembra que eu falei, o vovô morreu, não vai voltar nunca mais. Eu também estou com saudades e fico triste, mas a gente pode ver algumas fotos, filmes dele…”, “aqui é diferente dos desenhos que a gente vê, aqui na vida real o vovô não volta, e a gente pode continuar se relacionando com ele pelas lembranças e memórias””
4. Cuidado ao querer, a todo custo, poupar a criança de sofrimentos
A grande vontade dos pais é evitar o sofrimento da criança, porém não é isso o que mais ajuda a criança a crescer de forma saudável e a enfrentar frustrações e perdas. Quando uma morte acontece o sofrimento está instaurado, a tristeza não é um sentimento patológico e sim um sentimento normal e saudável dentro de um processo de luto. É necessário que a criança possa expressar-se, compartilhar a dor e o sofrimento. Isso vale para os adultos também que não precisam esconder da criança que estão chorando ou triste e nem deles mesmos.
5. Mostre a ela, com carinho, que a morte é algo natural
A morte é algo natural e devemos buscar tratá-la como tal. A criança é muito concreta, portanto, para ela é difícil compreender as metáforas, como: “vovô está no céu”, “dormiu para sempre”, “virou uma estrelinha”, ela pode criar muitas fantasias, levar ao pé da letra e começar a sentir medo de dormir, de ver os pais dormindo ou até querer andar de avião para ir até o céu ver novamente a pessoa que faleceu. Por isso, nunca se deve mentir ou ocultar, o ideal é falar a verdade de forma simples e carinhosa.
6. Compartilhe com ela as várias formas de encarar a morte
Você pode compartilhar com ela, se a criança for um pouco mais velha, que há diferentes formas de ver a morte, não havendo uma única maneira correta, que cada cultura tem seu próprio jeito de entendê-la e que juntas vocês podem encontrar um que faça mais sentido a ela. Caso não saiba responder, seja franco e diga “isso a mamãe não sabe responder, o que será que podemos pensar filho?”. Afinal, a morte sempre foi e ainda é um mistério para todos.
7. Leia livros e veja filmes sobre o assunto, juntamente com a criança
Existem muitos livros e filmes que ajudam a falar da morte que contam sobre perdas de animas, avós. Se desde o início a morte for tratada como natural, a criança poderá compreender esse momento como uma fase da vida e aprender a lidar com isso com menos sofrimento.
8. Permita que a criança coloque para fora seus sentimentos e conforte-a
Após contar sobre a perda, deixe que a criança se expresse no seu tempo e do seu próprio jeito, o importante é autorizar e permitir a expressão dos sentimentos despertados, estando junto, dando conforto e compartilhando as dores. Você pode dizer que a pessoa estará guardada para sempre nos pensamentos e lembranças. Permita o choro, a revolta, a tristeza e a dor, pois o luto dela também precisa ser vivido e trabalhado, para só assim ser elaborado.
9. Se achar que deve, leve a criança ao velório/enterro
A respeito dos rituais de morte, como velório, cremação e enterro, eles são muito importantes e necessários, pois nos localizam, trazem maior compreensão psíquica da situações, pois concretiza a perda, além de ser um espaço que oferece conforto a dor, permitem que o sofrimento seja expresso e que as despedidas aconteçam. Não há nenhum problema em levar as crianças em tais rituais, o problema está em esconder e na forma com que isso é tratado pelos adultos. Deve-se primeiro explicar como ocorrem as cerimônias e o que ela encontrará lá, posteriormente dar a possibilidade dela escolher se quer ou não ir. Caso ela não queira ir é importante deixá-la com alguém de confiança em um lugar onde sinta-se protegida e confortável. Caso ela deseje ir, o adulto deve estar preparado para ir embora no momento que a criança quiser, pois assim ela estará mostrando seus limites, além de acompanhar a criança o tempo todo durante a cerimônia observando como ela se comporta e se necessita de apoio ou explicações. Durante o ritual, não minta e não esconda o seu choro e sofrimento, que também fazem parte do momento, abrindo espaço para que ela possa sofrer também, não a deixando sentir-se que está sozinha com tais sentimentos.
10. Respeite o tempo da criança
Após o enterro, abra um espaço para ela sentir-se confortável e segura para expor suas emoções e dúvidas e respeite seu tempo e sua reação, mesmo que ela deseje ficar calada. Apenas mostre que você estará lá com ela para enfrentar esse momento junto com amor e carinho. A grande ajuda está em: não mentir, suportar o silêncio e a dor do outro, permitir que os sentimentos sejam expressos sem julgamentos ou críticas, quando falar na pessoa morta, refira-se a ela pelo nome ou pelo grau de parentesco, responda às questões e dúvidas, ofereça acolhimento e suporte, pergunte no que pode ajudar, só prometa aquilo que irá cumprir.
Luciana Romano e Raquel Benazzi são psicólogas formadas pela Universidade Mackenzie, e integram o Núcleo Corujas. Elas têm experiência no trabalho com gestantes, psicoterapia de luto e trabalho de defesa da mulher.