Quando comecei a estudar sobre educação não violenta e passei a defender publicamente um modelo de educação pautado no respeito ao sentimento da criança, na compreensão e empatia, fui rotulada como doida e inconsequente. Recebi muitos relatos dizendo que psicologia antigamente era na base da cintada e que se o mundo está ruim como está hoje, a culpa é do direitos humanos e dos psicólogos!
Na realidade o mundo nunca foi um local tão bom para se viver. Ainda temos muito que evoluir: diminuir a desigualdade social, a fome, melhorar acesso a saúde e educação. Mas é fato que hoje temos mais espaço e liberdade para construir conhecimento, quebrar tabus, lutar por um mundo mais empático e igualitário, refletir e propor mudanças de paradigmas. E isso já é uma baita evolução.
Educação sem violência não significa deixar a criança fazer o que der na telha
E voltando aos que me acham louca por não defender castigos, gritos, palmadas ou cintadas, vale dizer que muitos simplesmente não concordam com o modelo de educação sem violência porque acham que ela é sinônimo de deixar a criança fazer o que ela quer. Uma ideia totalmente equivocada. O que acontece é que você passa a entender a criança como uma pessoa também, que tem sentimentos e precisa ser ouvida, oras! Ou só por que ela ainda não é adulta ela deixa de ter inteligência, emoções e desejos? Claro que não!
Tendo isso bem claro, tente trazer as palmadas, castigos e outras formas de violência para a sua realidade. Pense comigo: quando você começar um novo emprego, demora um tempo até entender como funciona as regras naquela empresa certo? Nesse começo, provavelmente você cometa alguns erros, mas não é por isso que seu chefe vai te bater ou te colocar de castigo sentado olhando para parede, não é mesmo? Pouco a pouco, você observa como as pessoas fazem ou deixam de fazer suas funções e vai aprendendo com elas. Vez ou outra, seu chefe te chama para conversar e te passa algumas instruções para aprimorar seu trabalho e com o passar do tempo, você já se sente seguro e capaz de atuar com maestria na sua função.
Assim também deve ser com a criança. Esse pequeno ser humano acabou de chegar ao mundo e deve ser ensinado com respeito e amor. Pouco a pouco, a criança vai assimilando o exemplo e as instruções dos pais, educadores e amigos e vai ficando cada vez melhor na arte de viver.
Educar sem violência significa reconhecer, aceitar e buscar recursos para lidar com seus sentimentos e os da criança
Se existe uma tarefa dificíl é educar crianças. Isso porque é preciso reviver a nossa própria educação, pensar no porque fazemos as coisas de uma maneira e não de outra. É preciso entrar em contato com nossa própria história, aceitar o que somos para poder aceitar o filho que temos. Tem coisa mais trabalhosa e complexa que essa?
Dia desses atendi uma mãe que estava inconformada com o filho de 3 anos que ao receber um não como resposta gritava e dizia para a mãe sair de perto dele. Ela estava muito inconformada em ver que uma criança tão pequena sentia tanta raiva.
Então fizemos o pequeno exercício:
Perguntei como ela se sentia quando marido se negava a ajuda-la nas tarefas domesticas. Ela disse que se sentia injustiçada, que tinha vontade bater nele, mas que para a briga não piorar ela se afastava. E se ele fosse atrás dela, era gritaria para todo lado.
Ao pensar sobre a forma que ela lidava com a raiva, essa mãe pode perceber que não era muito diferente do filho. Ela só não sabia que tá tudo bem sentir raiva, um sentimento que existe desde muito antes da sua própria existência, assim como todo e qualquer sentimento.
Sugeri que ao dizer não ao filho ela explicasse antes o porque determinada tarefa não era adequada. Caso ele ficasse bravo e começasse a gritar ela deveria nomear o sentimento dele da seguinte forma:
– Filho, você está frustrado porque não pode brincar com vizinho agora, né? E isso que vocês está sentindo chama raiva. É muito ruim quando a gente quer fazer alguma coisa e não pode ou não, né? Estou indo para a cozinha agora e quando você se acalmar pode ir até lá me fazer companhia, ok?
Provavelmente a criança seguirá chorando ou gritando por um tempo, mas agora ela sabe o que ela está sentindo e sabe que (apesar da mãe não ter deixado ela fazer o que queria) sua mãe entendeu como ela está se sentindo e sabe que é difícil mesmo aceitar aquele não.
O problema é que nós adultos, achamos que as crianças tem que aceitar a nossa opinião e orientação sem reclamar e ainda tem que agradecer por sermos tão sensatos e determinados em educa-los! A gente acha que vai falar para criança que ela não pode comer doce antes do almoço e a criança vai responder: muito obrigada por se preocupar com a minha saúde! Até parece, rsrs!! Muito pelo contrário: o mais provável é que ela chore e ache que você é uma pessoa ruim. E sim, ela tem o direito de ficar triste com você. Mas com o tempo ela vai entendo os sentimentos e aprendendo a conduzi-los. Não tenha altas expectativas em relação a isso, afinal, até nós que somos adultos perdemos a cabeça muitas vezes, o que dirá então das crianças, que ainda estão aprendendo a lidar com esse mundo? Antes de gritar, espernear ou bater no seu filho lembre-se que você é o adulto, muito mais racional que ele. E tente se colocar em seu lugar, sempre ensinando com respeito e amor. Certamente ele se lembrará disto quando for maior. Assim como um adulto que apanhou muito quando criança se lembra de todas as surras que levou, mas simplesmente não consegue aprender nada com elas. Essas memórias ficam lá apenas como marcas em suas histórias.
Por fim, fique com uma reflexão: a gente estuda para passar no vestibular, para falar outros idiomas e para sermos profissionais melhores. E ao nos tornarmos pais e, que é uma tarefa de longuíssimo prazo, achamos que não precisamos estudar para educar nossos filhos, afinal, é algo instintivo e que pode passar de geração em geração, como um botão ligado no automático. É preciso rever esses conceitos com urgência se quisermos que o mundo seja um lugar melhor para nossos filhos e netos, bem como esse quadrinho aí abaixo diz. Quando a gente educa nossos filhos com amor e empatia eles aprenderão a olhar para o mundo com amor e empatia também e dessa forma ajudamos a construir um mundo melhor!
Valem a leitura
Deixo aqui três dicas de livros que irá ajudar no processo de educar sem violência. Tenho certeza que depois de ler esses livros vocês irão perceber que uma nova forma de educar é possível. E mais do que isso: é preciso!
Como falar para seu filho ouvir e como ouvir para seu filho falar – autoras : Adele Faber, Elaine Mazlish
Comunicação não violenta. Autor: Marshal Rosemberg
Reolhar. Autora: Elisama Santos
Letícia Gomes Gonçalves é psicóloga , educadora perinatal e consultora em criação com apego. Tem como missão de vida empoderar mulheres e mães, ajudando-as a se sentir mais seguras e realizadas. Escreve para o Blog Conversa Entre Marias e terá uma coluna com textos a cada 15 dias aqui.
There are 2 comments
Parabéns pelo excelente conteúdo.
Eu precisava ler cada palavra, foi muito significativo o aprendizado.
Que bom que foi útil pra você! Ficamos muito felizes com isso! Obrigada pela mensagem e volte sempre!